RIO 451: VEJA MOTIVOS PARA CELEBRAR E DESEJOS DE MUDANÇA PARA A CIDADE .....
Complicada e perfeitinha. O verso de "Mulher de fases", dos Raimundos, bem que poderia ter sido inspirado pela cidade que, nesta terça-feira (1º), chega aos seus 451 anos em ano de gala, já que o Rio de Janeiro receberá as Olimpíadas em agosto.
Sob os holofotes e mais do que nunca no centro das atenções por conta dos Jogos Olímpicos, o Rio segue como um purgatório da beleza e do caos – só para citar outro verso, desta vez genuinamente escrito para ela em "Rio 40°", de Fernanda Abreu –, mas com os olhos no futuro.
Neste primeiro aniversário após a festa dos 450 anos, convidados pelo G1, especialistas e personalidades de áreas como educação, cultura, saúde e segurança revelaram quais os seus desejos para a cidade e o que temos a comemorar. Confira abaixo:
ARQUITETURA E URBANISMO: Pedro da Luz Moreira, presidente do Instituto de Arquitetos do Brasil e professor de arquitetura e urbanismo da Universidade Federal Fluminense.
Para comemorar: "A cidade é muito festiva e tem razões para festejar, está num sítio muito mágico, com ícones geológicos como o Pão de Açúcar, o Corcovado, que são elementos fortes na paisagem, tendo sido considerados Patrimônio Imaterial da Humanidade. A cidade de traçado colonial português, com arquitetura e urbanismo portugueses, tem muito a nos ensinar. O Rio tem exemplares valiosos dessa arquitetura, como a igrejinha do Outeiro da Glória. É uma joia rara, não é uma obra grandiosa, mas tem um domínio do sítio que a faz grande.
Na época mais moderna, o Parque do Flamengo é efetivamente uma obra que traz ao urbanismo moderno uma intervenção maravilhosa, que é muito bonita e bem lançada. Outra obra muito interessante é a do calçadão de Copacabana, com o tratamento de pedras portuguesas e desenho de Burle Marx, é um exemplar de beleza única."
Um desejo: "O grande presente que a cidade poderia ganhar para o futuro seria a requalificação do sistema de trens da Central do Brasil. Um sistema que na década de 60 transportava 1,2 milhão de pessoas por dia, hoje só transporta 600 mil. Foi um sistema poderoso antes do advento da hegemonia do rodoviarismo. Mas esse sistema tem potência e a capacidade de oferecer para o conjunto da cidade metropolitana uma qualidade de vida muito boa, podendo sair de pontos distantes e chegar no Centro, se estivesse mais bem qualificado, com novas composições com ar-condicionado, e reforma nas estações para dar acessibilidade a cadeirantes.”
ESPORTE: Marcelo Ferreira, iatista e dono de três medalhas olímpicas. Bicampeão em Atlanta (1996), Atenas (2004) e bronze em Sydney (2000).
Para comemorar: “Sem dúvida, o que deve ser comemorado é a construção de equipamentos de alto nível, que ficarão como legado para a cidade, mesmo que não apenas no âmbito esportivo, como é o caso das instalações que serão convertidas em escolas. Educação e esporte podem e devem estar sempre juntos"
Um desejo: "O trabalho de incentivo à prática esportiva. Isso deveria ter sido iniciado ao mesmo tempo em que a candidatura à sede dos Jogos foi lançada. O apoio ao esporte não pode ser cíclico, mas sim um processo contínuo. Essa parte, infelizmente, não foi bem feita”.
MEIO-AMBIENTE: Mário Moscatelli, biólogo.
Para comemorar: “Estou responsável pela faixa marginal de proteção do Parque Olímpico, na Lagoa de Jacarepaguá, que está sendo recuperada. Onde havia ocupação desordenada, hoje, há uma faixa de 30 metros totalmente recuperada. Também estão sendo recuperadas as lagoas do Camorim, Tijuca e Jacarepaguá.”
Um desejo: “A Baía de Guanabara é caso de polícia. Já passou de ser um caso de natureza ambiental ou saúde pública. A Baía de Guanabara já mereceria dos MPs (ministérios públicos) do Rio e federal, uma operação chamada 'Lava Latrina'. Depois de centenas de milhões de reais para recuperar [a Baía], a gente ter uma baía do jeito que está, para os Jogos Olímpicos, é um absurdo. Por isso, é caso de polícia. Eu posso afiançar que todos os rios [que desaguam na na Baía] são valões de lixo e esgoto. Inclusive, com essas chuvas, amanhã [esta terça-feira 1] será o 'Apocalipse Now'. A quantidade de imundice que desce vai detonar a qualidade já comprometida da Baía. Se nos Jogos Olímpicos cair um pé d'água desses, nem Jesus salva. "Nunca imaginei que as autoridades brasileiras iriam se expor, expor a cidade e expor o país a esse vexame. Já imaginou um atleta de vela batendo em um pneu, móvel ou até mesmo um corpo?! Um corpo! A mensagem enviada a todo o mundo é: do ponto de vista ambiental, o Brasil não cumpre com o que se propõe."
EDUCAÇÃO: Andrea Ramal, educadora.
Para comemorar: “A criação dos EDIs (Espaço de Desenvolvimento Infantil). O conceito é alinhado com as tendências de ponta da educação infantil.
As experiências pedagógicas realizadas nos Ginásios Experimentais Cariocas. É um modelo de educação mais moderno, que busca unir a excelência acadêmica com a orientação do aluno para um projeto de vida e a formação ética, unindo materiais inovadores com tecnologias digitais.
O Programa de reforço escolar, que são atividades realizadas tanto no contra-turno como no horário regular, para realfabetizar alunos em situação de analfabetismo funcional e recuperar a aprendizagem, reduzindo a defasagem idade-série.
Um desejo: "O Rio tem problemas bem parecidos com os do resto do país. A média em relação ao Brasil é um pouco acima, o que não significa que está bem.
O ensino fundamental (nos finais - do 6º a 9º ano) ficou abaixo da meta no último IDEB (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica). A meta era de 4,6 e a média das escolas municipais foi de 4,4, com um índice de reprovação de 10%, o que é alto. Com relação à meta projetada para 2021, que é de 5,7, podemos dizer que 50% das escolas municipais estão hoje em situação de alerta e 25% estão em estado de atenção. O consolo é que a média do Brasil, nesse segmento, foi de 4,2. Assim, o Rio de Janeiro não está tão mal com relação ao país, mas também não chega a se destacar como referência.
A educação infantil precisa avançar mais: faltam vagas em creches (segundo um levantamento do TCE do Rio Grande do Sul, apenas 38% das famílias conseguem matricular as crianças de 0 - 3 anos). E além disso não foi resolvido o problema dos agentes de educação infantil (também conhecidos como agentes auxiliares de creches), que vêm sendo admitidos sem a formação mínima desejável.”
MOBILIDADE: Marcus Quintella, engenheiro de transportes e professor dos MBAs da FGV.
Para comemorar: "O Rio de Janeiro construiu, em 451 anos, uma boa rede de transportes de massa, composta pelo sistema metroferroviário, trens suburbanos (270 km de extensão) e metrô (42 km); sistema hidroviário (barcas: Rio, Niterói, Ilha, Paquetá); e o sistema rodoviário (ônibus urbanos e BRT). Mesmo com esses sistemas de transporte e com os esforços dos governantes em resolver os graves problemas de mobilidade urbana da cidade, a Região Metropolitana vem enfrentando congestionamentos diários e causando muitos malefícios para sua população, que pode ficar até quatro horas por dia presa nos modos de transporte.
Na verdade, falta muito ainda para que o Rio de Janeiro tenha um bom nível de mobilidade urbana. Em breve, teremos mais 16 km de metrô, com a conclusão da Linha 4, e 28 km de linhas de VLT, no Centro. Somam-se ainda as conclusões dos sistemas de BRT, em fase final de construção, além da duplicação da Autoestrada Lagoa-Barra e da Transolímpica.
Um desejo: "Falta uma autoridade metropolitana única, nos moldes das cidades europeias, para planejar o transporte de forma sistêmica, abrangente, integrada e econômica. Hoje, na prática, temos uma rede de transportes multimodal – pois os bilhetes de integração em vigor integram parcialmente os sistemas. Mas o Rio de Janeiro precisa urgentemente de uma rede intermodal, na qual o usuário possa passar por vários modos de transporte com um único bilhete e, com isso, conseguir chegar ao seu destino final pagando uma só tarifa. Precisamos de planejamento sistêmico para que não haja divergências entre os poderes estadual e municipais da Região Metropolitana, cada um executando o projeto que lhe for mais interessante ou conveniente politicamente. O Rio de Janeiro precisa de um metrô completo (...) e completar a reorganização e racionalização de suas linhas de ônibus troncais, circulares e alimentadoras, além de rever todo o seu sistema de controle e semaforização do trânsito."
CULTURA: Milton Gonçalves, ator
Para comemorar: "Uma das maiores riquezas do Rio é seu povo. O sotaque e a rapidez com que se responde no Rio é muito boa. O espírito do Rio é genial. Os cariocas sempre tinham uma saída. Pena que eu acho que isso está se perdendo. Hoje as pessoas estão angustiadas e desesperadas. Mas a cidade, quando quer, sempre dá um show de bola. O Rio ainda é a capital cultural do país na minha opinião".
Um desejo: "Eu acho que falta, de alguma forma, auxílio para o segmento mais pobre. Falta a compaixão e o respeito com quem não tem dinheiro para comprar um livro, ir ao cinema ou ver uma exposição. Falta levar isso para as áreas mais pobres da cidade. A cidade é linda mesmo quando chove. Eu não nasci no Rio, mas também pertenço a essa cidade. E a gente deveria ter um maior respeito pelos cidadãos que não puderam estudar, mas que tem gosto pela arte e têm direito de ter acesso à cultura. Devemos nos aproximar daqueles que não tem acesso aos bens culturais.
DIREITOS HUMANOS: Atila Roque, diretor executivo da Anistia Internacional
Para comemorar: "O Rio de Janeiro tem potencial, energia e beleza para se tornar a cidade maravilhosa que promete ser para todos os seus moradores, sem exceção."
Um desejo: "O principal desafio da cidade do Rio de Janeiro permanece o de superar o déficit de justiça e direitos que afeta sobretudo a juventude moradora das favelas e periferias. A cidade ainda sofre com as marcas de uma história de políticas públicas que aprofundaram a exclusão de parcelas significativas da população, tratados como cidadãos e territórios de segunda classe, mesmo sendo justamente estes que produzem e geram as iniciativas mais criativas e inovadoras em várias frentes, especialmente no campo da cultura e da economia solidária. Nos últimos tempos temos assistido esta potência se destacar através de uma variedade de iniciativas nascidas quase sem apoio ou com pouco estímulo do poder público. A sociedade e, especialmente, o poder público no Rio precisam reconhecer que sem políticas efetivas de integração plena e defesa da vida dessa juventude estaremos caminhando a passos rápidos para a barbárie de uma sociedade cada vez mais violenta, racista e desigual."
SEGURANÇA: José Vicente Filho, ex-secretário nacional de Segurança Pública.
Para comemorar: "O que podemos comemorar no Rio é a redução no número de homicídios. Os índices caíram bastante. Para você ter uma ideia, o Rio Grande do Sul está vivendo uma crise monumental de segurança, com aumento de cinco vezes no número de homicídios em relação à média nacional. A atuação em áreas de UPP também foi fundamental para isso.
Um desejo: "Eu tenho uma preocupação muito grande com o daqui para frente. O Rio melhorou muito, mas ainda é o dobro do nível de São Paulo. O Rio está com um índice de 20 mortos por 100 mil habitantes.
O Rio tem particularidades preocupantes: em qualquer lugar do mundo, é preocupante quando há perdas de territórios para o crime, quer seja pelo domínio do tráfico, quer seja pelas milícias. As UPPs estão em fase de declínio, em termo de desgaste. Tiveram um ponto ótimo e depois foram decaindo, os bandidos cresceram, o tráfico voltou, até no Santa Marta, por exemplo.
Os policiais, muitos novatos, são agredidos nas UPPs, e a PM vem tendo seu comando trocado sistematicamente. Isso impacta muita. O Rio de Janeiro tem a maior letalidade policial do mundo inteiro.
O Rio precisa de um plano estratégico de segurança. Precisamos de uma integração entre as polícias Militar e Civil. Precisa haver uma requalificação dos trabalhadores do Rio de Janeiro. O Estado fez uma opção temerária, de recrutamento muito rápido, e esses policiais começam a dar problemas depois de 2 anos. A tendência é que o quadro se agrave se medidas de qualificação não forem tomadas.
O Rio precisaria dar uma parada após da Olimpíada. O espírito da Olimpíada deve 'baixar' na segurança pública do Estado. A tendência é que, depois desse período, a segurança do Rio decaia. Precisa-se checar o que não está indo bem, checar as fraquezas, isso diante de um quadro em que as finanças estão precárias. O ideal é que cada policial dê 100 tiros de manutenção por ano, para treinamento. São quase 5 milhões de balas. Quem é que paga isso? Quantas viaturas o Rio tem? É preciso ver tudo isso."
SAÚDE: Lígia Bahia, professora do Instituto de Estudos em Saúde Coletiva da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Iesc/UFRJ)
Para comemorar: "O que podemos comemorar é o quase desaparecimento de doenças causadas por desnutrição. Ou seja, não é mais necessário internar crianças para alimentá-las adequadamente."
Um desejo: "O que nos entristece é que agora estamos diante de uma epidemia de obesidade e violência que afeta crianças, jovens e adultos, ou seja, não conseguimos nos preparar para controlar riscos à saúde decorrentes de imensas desigualdade sociais. A cidade precisa priorizar a saúde e não apenas obras e monumentos, é preciso concentrar esforços para melhorar a vida no dia a dia, incluindo acesso a serviços de saúde de qualidade."
ECONOMIA: Paulo Protasio, presidente da Associação Comercial do Rio de Janeirox.
Para comemorar: “O que o Rio tem para comemorar é poder oferecer ao carioca um raio de sol, um pedaço de areia, um trecho de mar."
Um desejo: "O presente que eu mais gostaria que o Rio tivesse é um carioca de ação, que sabe o que quer e vai buscar, principalmente quando vai ter uma Olimpíada que pode valorizar cidade. Esse carioca de ação vai pensar a eleição logo depois dos Jogos e vai saber usar bem o seu voto, que é a melhor arma que o carioca em ação tem: votar o que nós queremos que seja feito no Rio.”
Fonte: G1
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