“Tornar-se deprimido é como ficar cego, a escuridão, no início gradual, acaba englobando tudo; é como ficar surdo, ouvindo cada vez menos até que um silêncio terrível o envolve, até que você mesmo não pode fazer qualquer som para quebrar o silêncio. É como sentir sua roupa lentamente se transformando em madeira, uma rigidez nos cotovelos e joelhos progredindo para um terrível peso e uma imobilidade isolante que vai atrofiá-lo e, dentro de algum tempo, destruí-lo.”
A descrição de uma crise aguda de depressão é de Andrew Solomon, escritor e doutor em psicologia, em seu best-seller O Demônio do Meio-Dia — Uma anatomia da depressão. O personagem? Ele próprio. O livro, lançado em 2000, mistura a autobiografia de Solomon com reportagem científica e histórica para tentar explicar de onde vem esse tal demônio – uma alegoria para a possível depressão que atacava monges. Evágrio Pôntico, diácono de Constantinopla, dizia que o tal capeta forçava os monges a “manter os olhos fixos na janela, fora de sua célula, observando o sol para ver se ele está longe da nona hora. Ele inspira a aversão pelo lugar onde o monge se encontra, por seu próprio modo de vida e pelo trabalho manual. Além disso, provoca a ideia de que a caridade desapareceu e que ninguém poderá consolá-lo. O demônio da acédia usa todas suas forças para que o monge abandone sua célula e fuja”. Parece familiar?
Mas qual a relação entre depressão e ansiedade? Ambas são faces da mesma moeda, com o perdão do clichê. Segundo a ONG Anxiety and Depression Association of America (ADAA, na sigla em inglês), quase metade das pessoas com depressão também recebe diagnóstico para algum transtorno de ansiedade. Embora sejam doenças diferentes, elas têm sintomas parecidos e, ainda que não haja evidências na pesquisa clínica que indiquem que uma pode causar a outra, dados da ADAA mostram que boa parte dos pacientes com depressão tem um histórico de transtorno de ansiedade anterior. No rol de deprimidos, as mulheres são maioria: 20% contra 12% dos homens sofrem da doença.
Tristezinha não é depressão
O contrário da depressão não é felicidade, mas vitalidade, disse Solomon em uma palestra TED, em 2013. A tristeza pode ser decorrência do estado letárgico — um dos principais sintomas para a doença. Pessoas diagnosticadas com depressão relatam falta de energia, prazer, pensamentos negativos, problemas com sono e apetite. Mas esses sintomas, sozinhos, não fazem um deprimido — afinal, todo mundo passa por dias ruins. Como a ansiedade, o diagnóstico aparece quando o “dia ruim” se prolonga para além do esperado, trazendo prejuízos para a vida: um depressivo severo pode não se alimentar, não tomar banho e sequer ter forças para levantar da cama por longos períodos.
Mulheres são maioria entre os oprimidos: 20% têm a doença
Como a prima ansiedade, a depressão também tem suas idiossincrasias — e tipos diferentes. E pelo menos 300 milhões de pessoas sofrem com algum deles ao redor do mundo, segundo dados da OMS. O Transtorno Depressivo Maior é o de Solomon: reúne sintomas como humor depressivo (tristeza, vazio, apatia), perda de prazer, oscilação no peso, no sono e no apetite, fadiga e perda de energia, falta de concentração e até pensamentos suicidas. Para ser diagnosticado como tal, o paciente precisa ter pelo menos cinco ou mais sintomas por pelo menos duas semanas — e os dois primeiros precisam estar entre eles; além disso, os sintomas não podem ser causados por drogas, remédios ou outras doenças psíquicas, como esquizofrenia.
Outra variação da depressão bem conhecida é a distimia ou Transtorno Depressivo Persistente – uma combinação de mau humor crônico, pessimismo e irritabilidade. Para os maiores de 30 anos, lembra a hiena Hardy dos desenhos animados da Hanna-Barbera, que se lamentava episódio após episódio com o bordão “Oh, céus, oh, vida, oh, azar…” É uma depressão leve em comparação com o Transtorno Depressivo Maior, mas que atinge em cheio a vida social do sujeito: quem quer ter por perto um rabugento desse quilate? Ela é de difícil diagnóstico, já que as pessoas podem acreditar que são “assim mesmo” e tocam a vida sem se sentirem paralisadas como os pacientes de TDM. Para dar o diagnóstico, é preciso que os sintomas sejam observados por pelo menos dois anos.
Um dos “efeitos colaterais” de uma depressão não tratada é grave: cerca de 800 mil pessoas morrem por suicídio no mundo todos os anos e já é a segunda causa de morte entre jovens de 15 a 29 anos de idade.
Tem tratamento, sim
Apesar da sensação de desesperança, a depressão tem tratamento. Como no caso da ansiedade, a terapia cognitivo-comportamental é um dos mais eficazes, especialmente se combinada com medicamentos antidepressivos.
Nos casos em que terapias e medicação não dão resultado, há terapia de choque (literalmente). A eletroconvulsoterapia, que parecia relegada à Idade Média dos tratamentos psiquiátricos, é eficaz nos casos mais graves de TDM. Com uma semana de tratamento, já é possível verificar melhora nos sintomas. O equipamento dá descargas elétricas (com o paciente anestesiado) que reequilibram os níveis dos neurotransmissores responsáveis por espalhar os impulsos nervosos do cérebro e manter o bem-estar. São sessões curtas, de no máximo 10 minutos, e com duração de até 12 sessões, em média. Entre os contras, há uma ligeira confusão mental logo após a sessão e perda de memória recente. Tem jeito para a depressão. Mas é preciso pedir ajuda.”
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